segunda-feira, 9 de março de 2015

Psychosis.

Domingo

Eu não sei por que eu estou escrevendo isto no papel e não no meu computador. Eu só acho que notei algumas coisas estranhas. Não é que eu não confio no computador... eu só... preciso organizar meus pensamentos. Eu preciso rever todos os detalhes em algum lugar objetivo, em algum lugar que eu sei que o que eu escrevo não pode ser excluído ou... alterado... não que isso tenha acontecido. É que... aqui tudo fica embaçado, e a névoa da memória produz um estranho arranjo para as coisas... 

Eu estou começando a sentir-me apertado neste pequeno apartamento. Talvez seja esse o problema. Eu tinha que ir e escolher o apartamento mais barato, o único no porão. A falta de janelas aqui em baixo faz o dia e a noite parecerem esvair-se rapidamente. Eu não saio há alguns dias porque eu estive trabalhando intensamente neste projeto de programação. Acho que eu só queria acabar logo. Horas sentado e olhando para um monitor podem fazer alguém se sentir estranho, eu sei, mas eu não acho que seja isso. 

Eu não tenho certeza de quando eu comecei a sentir que alguma coisa não estava certa. Eu não posso nem definir o que é isso. Talvez eu só não tenha falado com ninguém há um tempo. Essa é a primeira coisa que me veio à cabeça: todo mundo com quem eu normalmente converso online, enquanto programo, tem estado ocupado, ou eles simplesmente não se conectam. Minhas mensagens instantâneas ficam sem resposta. O último e-mail que recebi de alguém era de um amigo dizendo que ele iria falar comigo quando voltasse da loja, e foi ontem. Eu ligaria com o meu celular, mas a recepção aqui em baixo é terrível. Sim, é isso. Eu só preciso ligar para alguém. Eu vou lá fora. 


Bem, isso não funcionou tão bem. Com o calafrio do medo desaparecendo, sinto-me um pouco ridículo por estar assustado, mesmo que minimamente. Eu olhei no espelho antes de ir lá fora, mas eu não fiz a barba de dois dias que cresceu. Dei-me conta de que somente iria sair para uma rápida ligação. Entretanto, eu troquei a camisa, até por que era hora do almoço, e imaginei que iria encontrar pelo menos uma pessoa que eu conhecia. O que acabou não acontecendo. Eu gostaria que tivesse.

Quando eu saí, abri lentamente a porta do meu pequeno apartamento. Uma pequena sensação de apreensão, de alguma forma já tinha alojado-se em mim, por algum motivo indefinível. Eu acabei entendendo que era por não ter falado com ninguém além de mim por um dia ou dois. Olhei para o corredor cinza e sujo. De um lado, uma porta de metal conduzia à sala da fornalha do edifício. Estava trancada, é claro. Duas máquinas de refrigerante ficavam perto dela; eu comprei uma lata no primeiro dia que mudei-me, mas tinha uma validade datada há dois anos. Tenho quase certeza de que ninguém conhece essas máquinas aqui em baixo, ou a síndica é tão mesquinha que não se importa em deixá-las assim.

Eu fechei a porta suavemente e caminhei na direção contrária, tomando cuidado para não fazer nenhum som. Eu não tenho ideia do por que escolhi fazer isso, mas foi divertido ceder ao impulso estranho de não quebrar o zumbido monótono das máquinas de refrigerante, ao menos naquele instante. Cheguei à escada, e subi até a porta da frente do edifício. Olhei pela pequena janela quadrada da porta, e fiquei chocado com o que vi: definitivamente não era hora do almoço. A névoa pairava sobre a rua escura lá fora e o semáforo no cruzamento à distância piscou para amarelo. Nuvens escuras, roxas e pretas do brilho da cidade, pairavam o céu. Nada mudara, salve as árvores na calçada que pouco balançaram com o vento. Lembro-me de tremer, embora eu não estivesse com frio. Talvez fosse o vento lá fora. Eu podia ouvi-lo vagamente através da porta de metal, e eu sabia que esse era o tipo único de vento de fim de noite, constante, frio e silencioso.

Eu decidi por não ir lá fora. 

Ao invés disso, ergui meu celular até a pequena janela da porta e verifiquei o sinal. As barras encheram, e eu sorri. Hora de ouvir a voz de outra pessoa, lembro de pensar, aliviado. Foi uma coisa tão estranha, não ter medo de nada. Eu balancei minha cabeça, rindo de mim mesmo em silêncio. Eu apertei o botão de discagem rápida para o número de minha melhor amiga Amy e segurei o telefone até meu ouvido. Ele tocou uma vez... mas depois parou. Nada aconteceu. Eu escutei um silêncio por uns bons vinte segundos e depois desliguei. Eu fiz uma careta e olhei para o medidor de sinal de novo - ainda cheio. Disquei o número dela novamente, mas de repente o aparelho tocou na minha mão, assustando-me. Levei-o até minha orelha. 

"Alô?" eu perguntei, lutando imediatamente contra um pequeno choque ao ouvir a primeira voz em alguns dias, mesmo que fosse a minha. Eu tinha me acostumado ao barulho monótono do funcionamento interno do edifício, o meu computador e as máquinas de refrigerante no corredor. Não houve resposta para a minha saudação no início, mas então, finalmente, veio uma voz. 

"Ei", disse uma voz suave do sexo masculino, obviamente da faculdade, como eu. "Quem é?" 
"John", eu respondi, confuso. 
"Ah, número errado, foi mal.", ele respondeu. Logo depois desligou. 

Baixei lentamente o telefone e encostei-me à parede de tijolo da escada. Isso foi estranho. Olhei para minha lista de chamadas recebidas, mas o número era desconhecido. Antes que eu pudesse pensar mais sobre isso, o telefone tocou bem alto, assustando-me mais uma vez. Desta vez, olhei para a tela antes de responder. Outro número desconhecido. Desta vez, eu segurava o telefone no meu ouvido, mas não disse nada. Não ouvi nada, a não ser o ruído de fundo natural de um telefone. Então, uma voz familiar quebrou minha tensão. 

"John?" Foi a única palavra, na voz de Amy. 

Dei um suspiro de alívio. 

"Ei, é você", respondi. 
"Quem mais seria?", ela respondeu. "Ah, o número. Eu estou em uma festa na Seventh Street e meu telefone ficou sem bateria assim que você me ligou. Este não é o meu, obviamente." 
"Ah, ok", eu disse. 
"Onde você está?", perguntou ela. 
"No meu prédio", suspirei. "Acho que me senti um pouco preso dentro de casa. Não sabia que era tão tarde. " 
"Você devia vir aqui", disse ela, rindo. 
"Nah, não me sinto à vontade de procurar algum lugar estranho sozinho no meio da noite," eu disse, olhando pela janela para a rua silenciosa, ouvindo o vento, que secretamente me assustou um pouquinho. "Eu acho que vou continuar a trabalhar ou ir para a cama." 
"Bobagem!", respondeu ela. "Eu posso ir buscar você! Seu edifício é perto da Seventh Street, certo? " 
"O quão bêbada você está?" perguntei despreocupadamente. "Você sabe onde eu moro." 
"Ah, é claro", disse abruptamente. "Eu acho que não posso chegar até aí a pé, né?" 
"Poderia, se quisesse perder meia hora," disse à ela. 
"Certo", ela disse. "Ok, tenho que ir, boa sorte com o seu trabalho!" 

Abaixei o telefone mais uma vez, olhando pelos números aparecerem com a chamada terminada. Então, de repente, o silêncio reafirmou-se em meus ouvidos. As duas estranhas chamadas e o misterioso ar da rua somente enfatizaram a minha solidão, nesta escada vazia. Talvez por ter visto muitos filmes de terror, eu tive a súbita e inexplicável ideia de que algo poderia olhar na janela da porta e me ver. Algum tipo de entidade horrível que pairava à beira de solidão, à espera de se aproximar de pessoas inocentes que foram para muito longe de outros seres humanos. Eu sabia que o medo era irracional, mas ninguém estava por perto, então... eu pulei os degraus da escada, corri pelo corredor até o meu quarto e fechei a porta o mais rápido que pude, ainda permanecendo em silêncio. Como eu disse, sinto-me um pouco ridículo por estar com medo de nada, e o medo já se desvaiu. Escrever isso ajuda muito - isso faz-me perceber que nada está errado. A escrita filtra pensamentos malformados e medos, deixando apenas fatos concretos. Está tarde, eu recebi um telefonema de um número errado, o telefone de Amy está sem bateria e então ela ligou de outro número. Nada de estranho está acontecendo. 

Ainda assim, havia algo um pouco fora de sintonia sobre aquela conversa. Eu sei que poderia ter sido apenas o álcool... ou ela parecia mesmo fora de si? Ou era... sim, era isso! Eu não tinha percebido isso até este momento, escrevendo estas coisas. Eu sabia que escrever ajudaria. Ela disse que estava em uma festa, mas eu só ouvi o silêncio no fundo! Claro, isso não significa nada em particular, ela poderia ter saído para fazer a chamada. Não... não poderia ser isso também. Eu não ouvi o vento! Eu preciso ver se o vento ainda está soprando! 


Segunda-feira 

Eu esqueci de terminar de escrever na noite passada. Eu não tenho certeza do que eu esperava ver quando eu corri até a escada e olhei para fora da janela da porta. Estou sentindo-me ridículo. O medo da noite passada agora parece vago e irracional para mim. Mal posso esperar para sair até a luz do sol. Vou verificar meu e-mail, fazer a barba, tomar um banho e, finalmente, sair daqui! Espere... Acho que ouvi alguma coisa. 


Foi um trovão. Todo aquele sol e ar fresco não apareceram. Saí para a escadaria e subi os degraus, somente para mais decepção. A pequena janela da porta mostrou apenas água corrente da chuva torrencial que batia contra ela. Apenas uma luz muito fraca, tristemente filtrada em meio à chuva, mas pelo menos eu sabia que era dia, mesmo que fosse um cinzento, pálido e molhado. Eu tentei olhar pela janela e esperar por um relâmpago para iluminar a escuridão, mas a chuva era muito pesada e eu não poderia fazer nada, além de imaginar vagas e estranhas formas se movendo em ângulos estranhos nas ondas, lavando a janela. Desapontado, virei, mas eu não queria voltar para o meu quarto. Ao invés disso, vaguei pelas escadas do primeiro e segundo andares. As escadas terminaram no terceiro, o andar mais alto do edifício. Eu olhei através do vidro que havia na parede exterior à escada, mas esse era deformado e espesso, do tipo que assusta a luz, não que houvesse muito para ver através da chuva para começar. 

Abri a porta da escada e perambulei pelo corredor. As talvez dez espessas portas de madeira, pintadas de azul há muito tempo atrás, encontravam-se todas fechadas. Escutei enquanto caminhava, mas por ser meio do dia, não fiquei surpreso ao não ouvir nada, a não ser a chuva lá fora. Enquanto eu estava ali no corredor escuro, ouvindo a chuvarada, tive a estranha efêmera impressão de que as portas estavam ali como silenciosos monólitos de granito, erguidos por alguma esquecida civilização antiga com o propósito guardar algo misterioso. Relâmpagos, e eu poderia jurar que, por um momento, a velha madeira azul granulada parecia com pedra bruta. Ri de mim mesmo por deixar minha imaginação obter o melhor de mim, mas depois ocorreu-me que se eu conseguira ver o a luz do raio, deveria haver uma janela em algum lugar no corredor. Uma vaga lembrança veio à tona, e de repente lembrei que o terceiro andar havia uma alcova e uma janela na metade do corredor. 

Animado para olhar para fora, ver a chuva e eventualmente, ver outro ser humano, rapidamente caminhei para a alcova, encontrando a grande janela de vidro fino. A chuva a estava regando, como com a janela da porta da frente, mas essa eu poderia abrir. Cheguei a colocar uma mão para deslizá-la, mas hesitei. Tive a estranha sensação de que se eu abrisse a janela, eu veria algo absurdamente horrível do outro lado. Tudo fora tão estranho ultimamente... então eu bolei um plano, e voltei aqui para pegar o que eu precisava. Sinceramente, eu não acho que irá acontecer alguma coisa, mas eu estou entediado, está chovendo e eu vou acabar enlouquecendo. Voltei para pegar minha webcam. O cabo não é suficientemente longo para chegar ao terceiro andar por qualquer meio, por isso vou escondê-la entre as duas máquinas de refrigerante, no final do escuro corredor do meu porão, colocar o fio ao longo da parede e sob minha porta, e colocar fita isolante preta sobre o fio para misturar com a faixa preta de plástico que corre ao longo da base das paredes do corredor. É, eu sei que isso é bobagem, mas eu não tenho nada melhor para fazer... 

Bem, nada aconteceu. Abri a porta que levava ao corredor e à escada, preparei-me e depois abri a pesada porta da frente, e corri como um condenado, descendo as escadas para o meu quarto e batendo a porta. Eu assisti a webcam no meu computador atentamente, vendo o corredor fora da minha porta e a maioria da escada. Estou assistindo-o agora e não vejo nada de interessante. Eu só queria que a posição da câmera fosse diferente, para que eu pudesse ver a porta da frente. Ei! Alguém online! 


Eu tinha uma velha webcam, não mais funcional do que a que eu tinha no meu armário para uma chamada em vídeo com meu amigo. Eu realmente não podia explicar-lhe por que eu queria falar com ele, mas foi bom ver o rosto de outra pessoa. Ele não podia falar por muito tempo, e nós não falamos sobre nada de significativo, mas me sinto muito melhor. Meu estranho medo quase passou. Eu me sentiria completamente melhor, mas havia algo estranho sobre a nossa conversa. Eu sei que tudo o que eu disse pareceu estranho, mas... ainda assim, ele foi muito vago em suas respostas. Não me lembro de nada específico que ele tenha dito... nenhum nome em particular, lugar ou evento... mas ele pediu meu e-mail para manter contato. Espere, acabei de receber um. 

Estou prestes a sair. Eu acabei recebi um e-mail de Amy, que me pediu para encontrá-la para jantar no "lugar que costumamos ir". Eu realmente amo pizza, e eu só tenho comido alimentos aleatórios da minha geladeira mal abastecida por dias, então eu mal posso esperar. Mais uma vez, sinto-me ridículo sobre os últimos dias que eu tenho tido. Eu deveria queimar este diário quando eu voltar. Ah, outro e-mail. 


Oh meu deus. Eu quase não vi o e-mail e abri a porta. Eu quase abri a porta. Eu quase abri a porta, mas eu li o e-mail primeiro! Era de um amigo que eu não tinha notícias há muito tempo, e foi enviada para um número enorme de e-mails que devem ter sido de cada pessoa que ele tinha guardado em sua lista de endereços. Não tinha assunto, e dizia, simplesmente: 

“vejam com seus próprios olhos não confiem neles eles” 

Que diabos isso quer dizer? As palavras me chocaram, e eu continuo lendo-as mais e mais vezes. É um e-mail desesperado enviado assim que... Alguma coisa aconteceu? As palavras são, obviamente, cortadas sem acabarem! Em qualquer outro dia eu teria colocado isso como spam a partir de um vírus de computador ou algo assim, mas as palavras... "vejam com seus próprios olhos"! Eu não posso ajudar, mas li este diário, pensei sobre os últimos dias e percebi que eu não havia visto outra pessoa com os meus próprios olhos, ou falado com outra pessoa cara a cara. A conversa da webcam com o meu amigo fora tão estranha, tão vaga, tão... indiferente, agora que penso nisso. Era estranho? Ou é o medo nublando minha memória? Minha mente brincava com a progressão dos eventos aqui descritos, lembrando que eu não tenho sido presenteado com um único fato concreto. O aleatório "número errado" que sabe o meu nome, a estranha chamada posterior de Amy, o amigo que pediu o meu endereço de e-mail... Eu falei com ele primeiro quando o vi online! E então eu tenho o meu primeiro e-mail alguns minutos depois dessa conversa! Ai meu deus! Aquele telefonema com Amy! Eu disse por telefone - eu disse que eu estava dentro de meia hora de Seventh Street! Eles sabem que eu estou perto de lá! E se eles estão tentando me encontrar?! Onde está todo mundo? Por que não tenho visto ou ouvido qualquer outra pessoa no dia? 

Não, não, isso é loucura. Isto é apenas imbecilidade minha. Eu preciso me acalmar. Isso deve acabar aqui e agora. 


Eu não sei o que pensar. Corri furiosamente no meu apartamento, segurando meu celular por todos os cantos para ver se ele tinha algum sinal através das grossas paredes. Finalmente, no minúsculo banheiro, perto de um canto do teto, consigo uma única barra. Segurando meu telefone lá, eu enviei uma mensagem de texto para cada número na minha lista. Não querendo dizer nada sobre meus medos infundados, eu simplesmente envio: 

Vc viu alguém cara a cara ultimamente? 

Naquele momento, eu só queria qualquer resposta de volta. Eu não me importava qual fosse, ou se eu fosse envergonhar-me. Tentei ligar para alguém, algumas vezes, mas minha cabeça não chegava alto o suficiente, e se eu trouxesse o celular para baixo, mesmo que por alguns centímetros, perderia o sinal. Lembrei-me então do computador, e corri para ele, mandando mensagens instantâneas para todos que eu via. A maioria estava ocupado ou longe do computador. Ninguém respondeu. Minhas mensagens ficaram mais frenéticas, e eu comecei a dizer às pessoas onde eu estava. Eu não me importava com nada a esse ponto. Eu só precisava ver outra pessoa!

Eu também investiguei meu apartamento à procura de algo que eu não tivesse visto; alguma forma de entrar em contato com outro ser humano sem abrir a porta. Eu sei que é louco, eu sei que é infundado, mas e se? E SE? Eu só preciso ter certeza! Eu colei o telefone no teto, em todo caso. 


Terça-feira 

O TELEFONE TOCOU! Exausto da insana noite passada, devo ter adormecido. Acordei com o telefone tocando, corri para o banheiro, subi em cima do vaso e atendi o telefone colado no teto. Era Amy, e senti-me muito melhor. Ela estava realmente preocupada comigo e, aparentemente, estava tentando entrar em contato comigo desde a última vez que eu havia falado com ela. Ela estava vindo agora, e, sim, ela sabia onde eu estava, sem eu ter dito. Eu sinto-me tão envergonhado. Eu vou definitivamente jogar esse diário fora antes que alguém o veja. Eu nem sei por que estou escrevendo nele agora. Talvez porque é a única comunicação que eu tive em... só Deus sabe quando. Eu estou um caco, também. Olhei-me no espelho antes de voltar aqui. Meus olhos estão fundos, minha barba é espessa e eu pareço doente.

Meu apartamento está um lixo, mas eu não vou limpá-lo. Acho que preciso que alguém veja o que eu passei. Estes últimos dias NÃO têm sido normais. Eu não sou de imaginar coisas. Eu sei que tenho sido vítima de probabilidade extremas. Eu provavelmente esqueci de ver outra pessoa uma dúzia de vezes. Aconteceu de eu ir para fora quando era tarde da noite, ou no meio do dia quando todos já haviam ido. Tudo está perfeitamente bem, eu sei disso agora. Além disso, eu encontrei algo no armário ontem à noite que me ajudou tremendamente: uma televisão! Eu consegui configurá-la pouco antes de escrever isto. A televisão sempre foi um escape para mim, e me lembra que há um mundo além dessas paredes de tijolo desbotado. 

Estou contente por Amy ser a única que me respondeu depois da frenética noite passada, de todos que eu poderia entrar em contato. Ela tem sido minha melhor amiga durante anos. Ela não sabe, mas eu conto o dia que eu conheci entre um dos poucos momentos de verdadeira felicidade na minha vida. Eu lembro-me daquele dia quente de verão. Parece uma realidade diferente deste lugar escuro, chuvoso e solitário. Eu sinto que passei dias sentado naquele playground, demasiadamente velho para jogar, apenas conversando e andando por aí sem fazer nada. Eu ainda sinto que posso voltar para aquele momento, às vezes, e isso me lembra que este maldito lugar não é tudo o que há... Finalmente, uma batida na porta! 


Eu pensei que era estranho eu não poder vê-la através da câmera que escondi entre as duas máquinas de refrigerante. Achei que era o mau posicionamento, como quando eu não conseguia ver a porta da frente. Eu deveria saber. Eu deveria saber! Após a batida, gritei pela porta, brincando que eu tinha uma câmera entre as máquinas de refrigerante, porque eu estava envergonhado comigo mesmo por ter toda essa paranoia até agora. Depois que eu fiz isso, eu vi a imagem do pé dela. Ela abaixou, sorriu e acenou. 

"Ei!", disse vividamente para a câmera, dando um olhar irônico. 
"É estranho, eu sei", eu disse no microfone ligado ao meu computador. "Eu tive uns dias um pouco estranhos." 
"Claro que teve.", respondeu ela. "Abra a porta, John." 

Eu hesitei. Como eu poderia ter certeza? 

"Ei, me dê um segundo aqui", eu disse a ela através do microfone. "Diga-me uma coisa sobre nós. Apenas para provar para mim que você é você. "

Ela deu à câmera um olhar estranho. 

"Hum, tudo bem.", disse ela devagar, pensando. "Nós nos conhecemos aleatoriamente em um playground, quando estávamos ambos velhos demais para estar lá?" 

Suspirei profundamente, a realidade voltou e o medo desapareceu. Deus, eu estava tão ridículo. Claro que era Amy! Eu nunca tinha sequer mencionado a ninguém, não por constrangimento, mas por uma estranha secreta nostalgia e um desejo de que aqueles dias retornassem. Se havia alguma força desconhecida tentando enganar-me, como eu temia, não havia nenhuma maneira que eles poderiam saber sobre esse dia. 

"Haha, tudo bem, eu vou explicar tudo," eu disse à ela. "Já estou indo." 

Corri para o meu pequeno banheiro e arrumei o cabelo o melhor que pude. Eu parecia um prisioneiro, mas ela iria entender. Impressionado com o meu próprio inacreditável comportamento e da bagunça que eu tinha feito no local, caminhei até a porta. Eu coloquei minha mão na maçaneta da porta e dei uma última olhada na bagunça. Tão ridículo, pensei. Meus olhos traçaram o resto de comida no chão, o lixo transbordando e a cama que joguei para o lado à procura de... Deus sabe o que. Eu quase me virei para a porta e a abri, mas meus olhos caíram sobre uma última coisa: a webcam que eu usei para esse bate-papo assustadoramente vago com meu amigo. 

Sua preta e silenciosa esfera estava aleatoriamente apontada para a mesa onde estava o meu diário. Um terror avassalador tomou conta de mim quando percebi que, se algo pudesse ver através da câmera, teria visto o que escrevi sobre esse dia. Eu a pedi para mencionar qualquer coisa sobre nós e ela escolheu a única coisa no mundo que eu pensei que eles ou "aquilo" não sabiam... mas eles sabiam! ELES REALMENTE SABIAM! ELES PODERIAM ESTAR ME VIGIANDO O TEMPO TODO! 

Eu não abri a porta. Eu gritei. Eu gritava em terror incontrolável. Eu pisei na webcam que estava no chão. A porta tremeu, a maçaneta tentou virar, mas eu não ouvi a voz de Amy. Era a porta do porão, feita para impedir a entrada de correntes de ar, muito resistente? Ou não foi Amy lá fora? O que poderia ter tentado entrar, se não ela? Quem diabos está lá fora? Eu a vi no meu computador através da câmera de fora, a ouvi nos alto-falantes através da câmera de fora, mas era real?! Como posso saber? Ela já se foi - eu gritei e gritei por socorro! Eu encontrava-me empilhando tudo no meu apartamento contra a porta da frente.


Sexta-feira 

Pelo menos eu acho que é sexta-feira. Eu quebrei todos os aparelhos eletrônicos. Eu deixei o meu computador em pedaços. Cada coisa lá poderia ter sido acessada pela rede, ou pior, alterada. Eu sou um programador, eu sei. Cada pedacinho de informação que eu dei desde que isto começou - meu nome, meu e-mail, a minha localização - nada disso veio de fora até que eu tenha dado. Eu tenho lido e lido novamente o que eu escrevi. Eu fui alternando entre terror gritante e descrença avassaladora. Às vezes eu estou absolutamente certo de alguma entidade fantasma está focada em somente me fazer ir lá para fora. Voltando ao início, com o telefonema de Amy, ela estava efetivamente pedindo-me para abrir a porta e sair. 

Eu continuo repassando isso na minha cabeça. Um ponto de vista dizia que eu agia como um louco, e que tudo isso é uma extrema convergência de probabilidade - nunca sair no momento certo por pura sorte, nunca vendo outra pessoa por puro acaso, obtendo um e-mail nonsense aleatório de alguns vírus de computador na hora certa. O outro ponto de vista dizia que a extrema convergência de probabilidade é a razão que o que quer que esteja lá fora ainda não me pegara. Eu fico pensando: "Eu nunca abri a janela do terceiro andar. Eu nunca abri a porta da frente, até aquele incrivelmente estúpido episódio com a câmera. Eu não abri a minha própria sólida porta desde que abri a porta da frente do edifício. Tudo o que está lá fora - se é que alguma coisa está lá fora - nunca fez uma aparição no edifício antes de eu abrir a porta da frente. Talvez a razão de isso não estar no prédio é que isso estava em outro lugar, caçando outros... e então ela esperou, até que eu deslizei, tentando chamar Amy... uma chamada que não deu certo, até que isso ligou e perguntou o meu nome... 

O terror literalmente me domina cada vez que eu tento encaixar as peças deste pesadelo. Esse e-mail - curto, cortado - era de alguém tentando espalhar alguma coisa? Alguma voz amiga tentando desesperadamente me avisar antes de alguma coisa chegar? "veja com seus próprios olhos" - exatamente o que eu estive tão desconfiado. Isso poderia ter o controle de todas as coisas eletrônicas, praticando a sua insidiosa trapaça de enganar-me. Por que não pode entrar? Aquilo bateu na porta - então deve ter alguma presença sólida... a porta... a imagem daquelas portas no corredor superior como monólitos guardiões vem de volta à minha mente toda vez que eu traço este caminho de pensamentos. Se houver alguma entidade fantasma tentando me colocar lá fora, talvez ela não possa passar por portas. Eu continuo pensando sobre todos os livros que eu li ou filmes que vi, tentando gerar alguma explicação para isso. Portas sempre foram tão intensos focos da imaginação humana, sempre vistas como algum tipo de vigilância ou portais de especial importância. Ou talvez a porta seja muito grossa? Eu sei que eu não poderia derrubar qualquer uma das portas deste edifício, muito menos as do porão. Fora isso, a verdadeira questão é: por que ela ainda me quer? Se ela só queria matar-me, poderia ter feito de várias maneiras, incluindo apenas esperando até que eu morresse de fome. E se ela não quer matar-me? E se ela tem um destino muito mais horrível para mim? Deus, o que posso fazer para escapar deste pesadelo? 

Uma batida na porta... 


Eu disse ao povo do outro lado da porta que eu precisava de um minuto para pensar e que eu já iria sair. Eu estou apenas escrevendo isto para que eu possa descobrir o que fazer. Pelo menos desta vez eu ouvi suas vozes. Minha paranoia - e sim, eu reconheço que estou sendo paranoico - tem feito-me pensar em todos os tipos de formas que suas vozes poderiam ser falsificadas eletronicamente. Tinha de haver caixas de som lá fora, simulando vozes humanas. Será que ela realmente levou três dias para vir falar comigo? Amy está, supostamente, lá fora, junto com dois policiais e um psiquiatra. Talvez eles levaram três dias para pensar no que dizer para mim - a afirmação do psiquiatra poderia ser bastante convincente, se eu decidisse pensar que isso tudo não passou de um grande mal-entendido, e não uma entidade tentando enganar-me para abrir a porta. 

O psiquiatra tinha uma voz mais velha, autoritária, mas ainda cuidadosa. Eu gostei. Estou desesperado para ver alguém com meus próprios olhos! Ele disse que eu tenho algo chamado cyber-psicose, e eu sou apenas um de uma epidemia nacional de milhares de pessoas que tinham avarias desencadeadas por um e-mail sugestivo que "conseguiu passar de alguma forma." Juro que ele disse "conseguiu passar de alguma forma." Acho que ele quer dizer inexplicavelmente espalhados pelo país, mas estou incrivelmente desconfiado de que a entidade escorregou e revelou alguma coisa. Ele disse que eu sou parte de uma onda de "comportamento emergente", que um monte de outras pessoas estão tendo o mesmo problema e com os mesmos medos, mesmo que nunca tenhamos nos falado. 

Isso explica perfeitamente o estranho e-mail. Eu não recebi o original que desencadeou tudo. Eu tenho um descendente dele - meu amigo poderia ter ficado louco também, e tentou avisar a todos que conhecia sobre seus medos paranoicos. É assim que o problema se espalha, o psiquiatra afirma. Eu poderia ter espalhado, também, com meus textos e mensagens instantâneas on-line para todo mundo que eu conheço. Uma dessas pessoas pode estar enlouquecendo agora, depois de ter sido provocado por algo que eu enviei, algo que ela possa interpretar como qualquer coisa que ela queira, algo como um texto dizendo: "Vc viu alguém cara-a-cara ultimamente?". O psiquiatra disse-me que não queria "perder mais um”, que pessoas como eu são inteligentes e essa é a nossa queda. Nós criamos situações tão bem que imaginamos coisas, mesmo quando não há nada lá. Ele disse que é fácil ser pego na paranoia no nosso mundo acelerado, um lugar em constante mutação, onde cada vez mais a nossa interação é simulada... 

Eu tenho que admitir. É uma boa explicação. Ela explica quase tudo. Ela explica perfeitamente tudo, na verdade. Eu tenho todos os motivos para afastar esse medo imaginário que alguma coisa está lá fora, querendo que eu abra a porta para que possa me levar para algum terrível destino pior que a morte. Seria tolice, depois de ouvir essa explicação, ficar aqui até morrer de fome só para contrariar a entidade que poderia ter pego todos os outros. Seria tolice pensar que, depois de ouvir essa explicação, eu poderia ser uma das últimas pessoas deixadas vivas em um mundo vazio, escondendo-me no meu seguro porão, lutando contra alguma entidade inimaginavelmente enganosa, recusando-me a ser capturado. É uma explicação perfeita para cada coisa estranha que eu vi ou ouvi, e tenho todos os motivos do mundo para deixar todos os meus medos sumirem e abrir a porta. 

É exatamente por isso que eu não vou. 

Como posso ter certeza? Como posso saber o que é real e o que é pura enganação? Todas essas malditas coisas com seus fios e seus sinais que originam-se de alguma coisa não vista! Elas não são reais, não tenho como ter certeza! Sinais através de uma câmera, vídeos falsificados, telefonemas enganosos, e-mails! Mesmo a televisão, encontrando-se quebrada no chão - como posso, possivelmente, saber que é real? São apenas sinais, ondas, luz... a porta! Está batendo na porta! Ela está tentando entrar! Que tipo de dispositivo mecânico insano poderia estar sendo usado para simular o som de homens atacando a pesada madeira tão bem? Pelo menos vou finalmente vê-la com meus próprios olhos... não há nada aqui com o que enganar-me, eu quebrei tudo! Ela não pode enganar meus olhos, pode? Veja com seus próprios olhos, não confie neles, eles... espere... foi essa mensagem desesperada dizendo-me para confiar em meus olhos, ou avisando-me sobre meus olhos também?! Ai meu deus, qual é a diferença entre uma câmera e meus olhos? Ambos transformam a luz em sinais elétricos - eles são o mesmo! Eu não posso ser enganado! Eu tenho que ter certeza! Eu tenho que ter certeza! 


Dados desconhecidos 

Eu calmamente pedi por um papel e uma caneta, dia após dia, até que finalmente deram-me. Não que isso importe. O que eu vou fazer? Arrancar meus olhos fora? As bandagens são como parte de mim agora. A dor se foi. Eu acho que esta será uma das minhas últimas chances para escrever de forma legível, sem a minha visão para corrigir erros, minhas mãos lentamente vão esquecer os movimentos envolvidos. Esta é uma espécie de autoindulgência, esta escrita... é uma relíquia de outro tempo, porque eu estou certo de que todos no mundo estão mortos... ou algo muito pior. 

Sento-me contra a parede acolchoada, dia após dia. A entidade traz-me comida e água. Ela mascara-se como um tipo de enfermeira, como um médico antipático. Eu acho que ela sabe que minha audição melhorou consideravelmente, agora que eu vivo na escuridão. Ela finge conversas nos corredores, na chance de que eu poderia ouvir. Uma das enfermeiras fala sobre ter um bebê em breve. Um dos médicos perdeu sua esposa em um acidente de carro. Nada disso importa, nada disso é real. Nada disso atinge-me, a não ser ela. 

Essa é a pior parte, a parte em que eu quase não consigo dar conta. A coisa vem a mim, disfarçando-se de Amy. Sua recriação é perfeita. Soa exatamente como Amy, exatamente a mesma sensação. Ela até produz um fac-símile de lágrimas que obriga-me a sentir em suas bochechas semelhantes às reais. Quando ela arrastou-me aqui pela primeira vez, disse-me todas as coisas que eu queria ouvir. Disse que amava-me, que sempre me amou, que não entendia por que eu tinha feito aquilo, que ainda poderíamos ter uma vida juntos, mas só se eu parasse de insistir que eu estava sendo enganado. Ela queria que eu acreditasse... não, ela precisa fazer com que eu acreditasse que ela era real. 

Eu quase caí nisso. Eu realmente quase caí. Eu duvidei de mim mesmo por muito tempo. No final, porém, era tudo perfeito, demasiadamente perfeito e muito real. A Amy falsa costumava vir todos os dias, depois a cada semana, e finalmente parou por completo... mas eu não acho que a entidade vá desistir. Eu acho que o jogo de espera é apenas mais uma de suas estratégias. Vou resistir pelo resto da minha vida, se for preciso. Eu não sei o que aconteceu com o resto do mundo, mas sei que essa coisa precisa que eu acredite em suas mentiras. Se ela precisa disso, então talvez, apenas talvez, eu sou um espinho em sua agenda. Talvez Amy ainda esteja viva em algum lugar, mantida viva apenas pela minha vontade de resistir ao enganador. Eu seguro-me nessa esperança, balançando para frente e para trás na minha cela para passar o tempo. Eu nunca vou desistir. Eu nunca vou desistir. Eu sou... um herói! 

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O médico leu o papel que o paciente tinha rabiscado. Era quase impossível de ler, escrito com letras trêmulas de quem não podia ver. Ele queria sorrir pela determinação inabalável do homem, um lembrete da vontade humana para sobreviver, mas ele sabia que o paciente estava completamente louco.

Afinal, um homem são teria sido enganado há muito tempo. 

O médico queria sorrir. Queria sussurrar palavras de encorajamento para o homem delirante. Ele queria gritar, mas os filamentos nervosos em volta de sua cabeça e nos olhos dele fizeram-no fazer o contrário. Seu corpo entrou na cela como um fantoche, e disse ao paciente, uma vez mais, que ele estava errado, e que não havia ninguém tentando enganá-lo.

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