terça-feira, 28 de abril de 2015

Leaving Blues.

                Não acho que exista ganho ao remexer coisas do passado. Tudo bem, admito que procurar pelos primeiros sinais do fim possa garantir algumas horas de sono mais tranquilas, mas existem certas coisas que devem ser deixadas para trás.
                No meu caso, foi numa noite qualquer, daquelas que somente são importantes quando analisamos lá pra frente. Pode não ter sido o primeiro sinal, mas tenho certeza de que foi o mais alarmante. É estranho como, na época, pareceu tão insignificante. Talvez eu tenha escolhido ignorar os acontecimentos daquela pacata noite, pelo bem de nós dois. Ou simplesmente não tenha notado o impacto que aquilo teria em minha vida.
                Fomos à festa de aniversário de sua tia, a mais ou menos cinquenta minutos de casa. Era um daqueles condomínios enormes, com shoppings e até farmácias. Poderia muito bem ser uma pequena cidade, caso tivesse mais alguns estabelecimentos. “Quanto eles pagam para morar aqui?”, lembro ter perguntado. Ninguém no carro soube responder, mas imaginei que uma fortuna (na qual eu nunca possuiria). Era triste, pois os moradores tinham que fazer tudo por lá, tamanho era o problema de distância e trânsito até o centro da cidade. Mesmo após as dez da noite, era possível ver filas de carros, parados, sem nenhuma esperança de andarem. Descartei qualquer possibilidade de residir em um local como aquele. Era loucura manter-se aprisionado daquele jeito.
                Sentamos um uma mesa fora do salão de festas, socializando com seus pais e familiares. Como gostávamos da companhia um do outro, sempre tínhamos o que conversar, qualquer fosse o assunto. Ultimamente, como estávamos avançando em nosso relacionamento, começaram a surgir perguntas mais sérias, envolvendo o futuro de cada um, principalmente. Sempre fomos muito abertos quanto a isso, flexíveis com os nossos possíveis destinos juntos.
                “Como podem viver aqui, sem sair para lugar algum?”
                “É seguro, ao menos. Talvez seja o lugar mais seguro para morar que eu conheça.”
                “Tem que ser, oras! O preço de um apartamento aqui deve ser surreal.”
                “E é. Você não vai ver pessoas aqui com carros populares ou relógios falsificados. Todos tem uma renda mensal alta. Às vezes até alta demais.”
                Ela tinha razão. O marido de sua tia era cirurgião plástico, o que explicava aquela vida luxuosa.
                “Onde você imagina estar daqui a dez anos? Digo, criando sua família e tudo mais.”
                “Bom, não aqui, tenho certeza.”
                “É sério.”
                “Você sabe que eu quero criar meus filhos fora daqui.”
                Eu sempre tive o sonho de criar minha família no Canadá, seguindo sua cultura e seus costumes. Odiava o calor daqui e toda a insegurança de andar na rua, não sabendo se algo de ruim aconteceria comigo. Sempre preferi dormir com um edredon, envolto em um casulo de aconchego. Já havíamos falado sobre isso em outras ocasiões, mas nunca com esse tom de importância. Seus olhos diziam ter descoberto algo novo, como se tivesse se dado conta do problema, de uma hora pra outra. Dois adolescentes com tantos planos podem ignorar diversos fatores, inclusive os desejos um do outro.
                “Eu quero ir com você, mas não posso morar lá. Eu terei que viajar, devido a minha carreira e tudo mais, mas não acho que poderia criar meus filhos longe de meus pais. Tudo o que eu tenho está aqui. Você incluso. Claro, você estaria lá, mas minha família também é importante para mim. Não posso simplesmente deixá-los de lado. Podemos ir sim casualmente até lá, talvez duas vezes ao ano. Porém ficar definitivamente, não.”
                Possuímos sonhos completamente diferentes. A proporção que aquilo havia tomado era catastrófica. Senti seu olhar lentamente aceitar a ideia de que eu poderia não estar em seu futuro. Tivemos muitas brigas e desentendimentos, mas agora era diferente. Somente olhamos um para o outro e entendemos que o futuro era incerto, até mesmo para nós dois.
                “Então o que a gente faz? Não sei se mudarei tanto assim ao ponto de deixar isso de lado. Eu quero ficar com você, mas não sei até que ponto isso vai influenciar nos nossos sonhos.”
                “A gente vai fazer dar certo.”
                Quase não reconheci sua voz. Havia sempre uma perseverança nela, como se quando o assunto era a gente, nada iria ficar em nosso caminho. Como se nada fosse impossível. Porém, o caminho não era mais nosso. A partir dali, andávamos em direções opostas. Dessa vez, sua voz não possuía qualquer tipo convicção. Penso que nem mesmo ela acreditava em suas palavras.
                Ficamos nos olhando por um tempo, até que assentimos nossa situação. O silêncio se instalou por algum tempo. Restou-nos olhar para o céu estrelado. Passeamos para esquecer esse assunto, mas duvido muito que algum de nós tenha deixado isso de lado, ao menos naquela noite. Fora a primeira vez que sentimos na pele o quão difícil era estar apaixonado.
                Saímos de lá diferentes. As certezas já não eram mais tão certas assim. Tentávamos fingir que nada havia mudado, que continuaríamos juntos até o fim. Só não esperávamos que o fim estaria tão próximo.

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