Por um tempo, desejou
que um raio tivesse a fineza de lhe atingir no meio da rua. Pensava que, com a
súbita passagem de milhões de correntes elétricas em seu corpo, algo iria
mudar. Não tinha a esperança de causar um buraco em sua memória, mas talvez que
pudesse ficar em coma, numa cama de hospital qualquer. Deitado, sem qualquer
noção de tempo, ignorando as noites virando dias. Inconsciente, somente.
Quando chegou no seu destino,
percebeu que a natureza nada tinha com seus devaneios. Se algo o incomodava,
teria que resolver-se sozinho. Sentou-se e pediu um café. Puro, sem o leite de
sempre. Imaginou que apenas um café amargo conseguiria ajudá-lo. Pegou seu
caderninho e deixou sua bolsa no assento. Leu os garranchos lá escritos, há tantos
anos que mal podia lembrar de onde os havia desenhado. Podia observar as folhas
já gastas, mesmo com todo o cuidado que mantinha. Ficou alí, olhando para suas
letras formando palavras por alguns minutos. Finalmente, deixou sua transe de
lado e pegou o lápis. Continuou as histórias, como se nunca tivessem acabado.
Escreveu para escapar da realidade que o cercava, inventando finais alternativos,
enganando sua velha memória.
Talvez fosse melhor colocar
algumas colheres de açúcar, ao menos. Já estava amargo o suficiente por dentro.
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