Quando Débora me deixou, minha vida
ficou dividida entre dois momentos: o antes e o depois. Seu completo
desaparecimento deixou-me um vazio existencial, um buraco em meu peito que não
cansava de latejar. Ansiava todos os dias por mensagens, aquelas bobas e
aleatórias, qualquer coisa que me fizesse esquecer um pouco o cansaço semanal.
O silêncio mostrou-se um grande inimigo meu, porém o jeito menos doloroso de
ser conduzido até o fim.
Quando
Débora me deixou, eu fiquei muito tempo parado na sala do apartamento, cerca de
cinco horas da tarde, com a dedicatória que ela escreveu-me. Li e reli, tanto
que cheguei a decorar cada palavra e cada curva de sua letra formosa. Lembro-me
de perguntar a mim mesmo como tal beleza pudesse ter sido escrita em somente
alguns minutos, no chão de um banheiro qualquer. Era poeta e nem sabia. Eu
fiquei muito tempo parado no meio da sala do apartamento, com o livro nas mãos,
olhando pela janela e vendo a lua toda amarelada subir no céu. E lembro que
pensei agora o telefone vai tocar, e o telefone não tocou. Não tocou durante um
bom tempo. Nenhuma mensagem. Nem sinal de fumaça. Somente fiquei com um
pouquinho de paz quando soube que ela estava bem. Mesmo longe. Toda vez que
alguém ligava, ficava com aquela esperança de ser sua voz no outro lado, mas
nunca era. Somente operadoras de celular me mandavam mensagem. Nunca era ela, e
eu continuei por muito tempo sem salvação parado ali no centro da sala que
começava a ficar mais negra pela noite, o livro de Débora nas mãos, sem fazer
absolutamente nada além de respirar.
De
todos aqueles dias seguintes, só consegui encontrar sossego nas melodias
pronunciadas por alguém que ela também gostava. Tentei embebedar-me em um
desses bares de esquina, forçando minha mente a esquecer teu rosto que tanto me
assombrava. Vodca, sem água nem limão ou suco de laranja, vodca pura,
transparente, meio viscosa. Quisera eu conseguir beber mais que alguns copos
somente, sem antes parar ou por sono ou por indigestão. Enquanto saía do local,
lembrei da minha camisa que ainda se encontra em sua possessão, e aí lembrei de
como ela tinha ficado com nela: encolhida, mas graciosa, já que era magra e eu
gordo. “Essa camisa tem o teu cheiro”, disse-me enquanto afogava-se em minha vestimenta,
sentada no banco do cinema. Também lembrei de como me senti ao ouvir essas
palavras saírem daquela boca tão cobiçada por mim.
O
que começou a acontecer, no meio daquele ciclo interminável de nostalgia, foi
mesmo o gosto de tristeza que senti em todo meu corpo. Porque no meio daquele
momento entre a vodca e a angústia, em que me arrastava da rua para o quarto,
acontecia às vezes de o pequeno corredor do apartamento parecer enorme como o
de um transatlântico em plena tempestade. O chão pareceu-me, de uma hora para
outra, confortável e um bom lugar para cair sem pretensão de levantar. Tinha
somente aquele resto de vodca no meu estômago, a sua ausência conseguia até
tirar meu apetite. Ali, esparramado e com vontade de vomitar, julguei a mim mesmo
por um segundo, até que caí no sono. Deplorável. Saí da realidade somente para
encontrá-la em meus sonhos, dizendo que não podia mais ficar e que tinha que
pegar o ônibus e eu só sabia perguntar por que, por que, por que, meu Deus, me
abandonaste? Nunca ouvi a resposta.
Depois
que Débora me deixou, muitos dias depois, ela ainda não tinha voltado. Diversas
propagandas me prometendo resultado em apenas alguns dias começaram a chover em
meu apartamento. Como alguém saberia que ela tinha ido embora? Persistentes,
tive que simplesmente ignorar as contínuas facadas em meu peito, toda vez que
chegava uma folha. Nessa mesma semana resolvi me juntar aos musculosos da
academia aqui da esquina. Não era cara, e eu realmente precisava sair daquele
claustrofóbico cubículo. Passava a maior parte da tarde ali, revezando entre as
milhares de esteiras e bicicletas que lá residiam. Comecei também a fazer
natação e yoga lá mesmo e fui ficando tão bonito e renovado e superado e
liberado e esquecido dos tempos em que Débora ainda não tinha me deixado.
Disseram-me que minha aparência tinha melhorado e que eu não parecia mais
cansado, cheio de bolsas sob os olhos. Meus amigos me chamavam para festas e eu
só aceitava, querendo fugir da rotina de depressão que me aguardava em casa.
Não importava o tipo de festa e nem onde era, o simples fato de estar por aí na
rua me divertindo com outras pessoas me fazia um bem danado. Passou-se tanto
tempo depois que Débora me deixou, e eu sobrevivi, que o mundo foi se tornando
aos poucos um enorme leque escancarado de mil possibilidades além de Débora.
Conhecia pessoas novas todos os dias, muitas delas lindas e sedutoras, tanto
que aprendi a ser lindo e sedutor, com aquele charme especial de
homem-quase-maduro-que-já-foi-marcado-por-um-grande-amor-perdido, embora nunca
tocasse no assunto. Nunca ninguém soube de Débora em minha vida. Nunca dividi
Débora com ninguém. Nunca ninguém jamais soube de tudo isso ou aquilo que
aconteceu quando e depois que Débora me deixou.
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