domingo, 7 de junho de 2015

Sem Débora, Blue.

    Quando Débora me deixou, minha vida ficou dividida entre dois momentos: o antes e o depois. Seu completo desaparecimento deixou-me um vazio existencial, um buraco em meu peito que não cansava de latejar. Ansiava todos os dias por mensagens, aquelas bobas e aleatórias, qualquer coisa que me fizesse esquecer um pouco o cansaço semanal. O silêncio mostrou-se um grande inimigo meu, porém o jeito menos doloroso de ser conduzido até o fim. 
                Quando Débora me deixou, eu fiquei muito tempo parado na sala do apartamento, cerca de cinco horas da tarde, com a dedicatória que ela escreveu-me. Li e reli, tanto que cheguei a decorar cada palavra e cada curva de sua letra formosa. Lembro-me de perguntar a mim mesmo como tal beleza pudesse ter sido escrita em somente alguns minutos, no chão de um banheiro qualquer. Era poeta e nem sabia. Eu fiquei muito tempo parado no meio da sala do apartamento, com o livro nas mãos, olhando pela janela e vendo a lua toda amarelada subir no céu. E lembro que pensei agora o telefone vai tocar, e o telefone não tocou. Não tocou durante um bom tempo. Nenhuma mensagem. Nem sinal de fumaça. Somente fiquei com um pouquinho de paz quando soube que ela estava bem. Mesmo longe. Toda vez que alguém ligava, ficava com aquela esperança de ser sua voz no outro lado, mas nunca era. Somente operadoras de celular me mandavam mensagem. Nunca era ela, e eu continuei por muito tempo sem salvação parado ali no centro da sala que começava a ficar mais negra pela noite, o livro de Débora nas mãos, sem fazer absolutamente nada além de respirar.
                De todos aqueles dias seguintes, só consegui encontrar sossego nas melodias pronunciadas por alguém que ela também gostava. Tentei embebedar-me em um desses bares de esquina, forçando minha mente a esquecer teu rosto que tanto me assombrava. Vodca, sem água nem limão ou suco de laranja, vodca pura, transparente, meio viscosa. Quisera eu conseguir beber mais que alguns copos somente, sem antes parar ou por sono ou por indigestão. Enquanto saía do local, lembrei da minha camisa que ainda se encontra em sua possessão, e aí lembrei de como ela tinha ficado com nela: encolhida, mas graciosa, já que era magra e eu gordo. “Essa camisa tem o teu cheiro”, disse-me enquanto afogava-se em minha vestimenta, sentada no banco do cinema. Também lembrei de como me senti ao ouvir essas palavras saírem daquela boca tão cobiçada por mim.
                O que começou a acontecer, no meio daquele ciclo interminável de nostalgia, foi mesmo o gosto de tristeza que senti em todo meu corpo. Porque no meio daquele momento entre a vodca e a angústia, em que me arrastava da rua para o quarto, acontecia às vezes de o pequeno corredor do apartamento parecer enorme como o de um transatlântico em plena tempestade. O chão pareceu-me, de uma hora para outra, confortável e um bom lugar para cair sem pretensão de levantar. Tinha somente aquele resto de vodca no meu estômago, a sua ausência conseguia até tirar meu apetite. Ali, esparramado e com vontade de vomitar, julguei a mim mesmo por um segundo, até que caí no sono. Deplorável. Saí da realidade somente para encontrá-la em meus sonhos, dizendo que não podia mais ficar e que tinha que pegar o ônibus e eu só sabia perguntar por que, por que, por que, meu Deus, me abandonaste? Nunca ouvi a resposta.
                Depois que Débora me deixou, muitos dias depois, ela ainda não tinha voltado. Diversas propagandas me prometendo resultado em apenas alguns dias começaram a chover em meu apartamento. Como alguém saberia que ela tinha ido embora? Persistentes, tive que simplesmente ignorar as contínuas facadas em meu peito, toda vez que chegava uma folha. Nessa mesma semana resolvi me juntar aos musculosos da academia aqui da esquina. Não era cara, e eu realmente precisava sair daquele claustrofóbico cubículo. Passava a maior parte da tarde ali, revezando entre as milhares de esteiras e bicicletas que lá residiam. Comecei também a fazer natação e yoga lá mesmo e fui ficando tão bonito e renovado e superado e liberado e esquecido dos tempos em que Débora ainda não tinha me deixado. Disseram-me que minha aparência tinha melhorado e que eu não parecia mais cansado, cheio de bolsas sob os olhos. Meus amigos me chamavam para festas e eu só aceitava, querendo fugir da rotina de depressão que me aguardava em casa. Não importava o tipo de festa e nem onde era, o simples fato de estar por aí na rua me divertindo com outras pessoas me fazia um bem danado. Passou-se tanto tempo depois que Débora me deixou, e eu sobrevivi, que o mundo foi se tornando aos poucos um enorme leque escancarado de mil possibilidades além de Débora. Conhecia pessoas novas todos os dias, muitas delas lindas e sedutoras, tanto que aprendi a ser lindo e sedutor, com aquele charme especial de homem-quase-maduro-que-já-foi-marcado-por-um-grande-amor-perdido, embora nunca tocasse no assunto. Nunca ninguém soube de Débora em minha vida. Nunca dividi Débora com ninguém. Nunca ninguém jamais soube de tudo isso ou aquilo que aconteceu quando e depois que Débora me deixou.

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