Querido diário,
deixei passar da meia
noite depois do meu último texto para fingir que não necessitava escrever para
você. É estranho mentir para mim sobre isso. Digo, você é imaginário e não
consigo fazer outra coisa a não ser te destinar meus textos. Que tal isso: você
vira meu psicólogo e me diz para escrever para você coisas que estou sentindo,
a qualquer hora. Acho que assim posso acreditar melhor nisso aqui. Trato feito?
O dia
vinte e três de Maio acabou. Acho que todos os dias vinte e três acabaram. Não faz
nem um mês que eu os celebrava com alguém importante, e agora estou aqui te
dizendo que eles não fazem mais sentindo. Estranho, não? Mas, afinal, o que não
é estranho? Sou estranho, para falar a verdade. Minhas ações contrariam
totalmente as expectativas da maioria das pessoas que conheço. Quando é pra
amar alguém, eu não demonstro. Quando essa pessoa não quer mais que eu a ame,
eu a amo e demonstro muito mais do que já demonstrei. Acho que sou realmente
louco. O que me diz, sou? Pode me falar a verdade. Percebi que minha mente
funciona de uma maneira bastante peculiar, quase que unicamente. Vivo meio que
em um universo paralelo, onde tudo está ao contrário. Acharia normal se os
carros voassem.
Não te
disse, mas acabei ultrapassando alguns limites ontem. Eu fiquei realmente
preocupado com ela. Depois de algum tempo sem falar com ela, comecei a ponderar
tudo o que podia de acontecer com ela, como se fosse acontecer. Obviamente,
havia as opções mais normais, mas acho que isso não existe na cabeça de um
paranoico. Tudo o que há de incomum há de acontecer. E foi o que pensei que
tinha acontecido. Imaginei que tinha sido sequestrada. Imaginei que tinha
sofrido um acidente. Imaginei milhares de cenas, todas minimamente possíveis de
se acontecer, mas imaginei. No ápice, procurei por ela de todas as maneiras que
conhecia. Liguei para ela. Chamava e caía na caixa postal. Liguei de novo.
Mesma coisa. Liguei mais sete vezes. Nada. Mandei mensagem na rede social.
Nada. Liguei por Skype. Nada. Finalmente, procurei por amigos dela que podiam
saber de algo. Uma disse que ela também não conseguia falar com ela por
mensagem. Minha paranoia só aumentou. Falei com outro, disse a mesma coisa.
Realmente não sei como não chamei a polícia nesse momento. Eu olhava freneticamente
para meu celular, em busca de qualquer sinal dela. Já eram quase onze horas.
Normalmente, ela chegava em casa por volta das nove. Procurei pelo telefone dos
seus pais. Não os tinha no meu celular, havia trocado de memória. Procurei nos
celulares dos meus pais. Nada. Nem o telefone da casa eu tinha. Somente o
consegui quando um amigo me deu, após um tempo esperando por resposta. Liguei.
Chamou treze vezes (sim, eu contei). A ligação caiu e desligou. Entrei em
desespero completo. Ela estava sumida (ou pior) por minha culpa, eu não estava
lá quando ela precisava. Eu não estava no telefone com ela quando o
sequestrador a levou. Era isso. Eu já imaginava como me comportaria no funeral
dela, ou de como seus pais iriam dar a notícia de sua morte para mim.
Ela
estava dormindo. Chegou em casa da faculdade e dormiu. Devia ter imaginado (mas
acho que não seria eu, né?). Só aí percebi toda a minha trajetória até uma
notícia dela. Eu não era nem o namorado dela e tinha quase chamado a polícia
para procurá-la. Eu sabia que ela ia ficar com raiva de mim, mas me enganei
sobre o motivo. Ela disse que em todo nosso relacionamento, eu nunca havia
feito algo do tipo. Nunca tinha corrido atrás dela ao ponto de ficar
desesperado com nenhuma resposta. E eu não pude falar que era mentira. O
desapontamento dela me atingiu com uma força gigantesca. Eu pude sentir sua
tristeza ao falar com ela pelo telefone. Ela não estava com raiva de mim por
ter feito aquilo, mas sim por nunca ter feito antes. Ela tinha razão, não havia
contestação.
Eu tinha
imaginado muitas coisas antes disso (expectativas, como sempre), na maioria
assuntos para falar com ela após sua volta da faculdade. O violão que ela
sempre quis que eu emprestasse finalmente estava comigo, e eu planejava enrolar
um assunto com isso, só para conversar com ela um pouco. Tinha também achado
uma sátira bem engraçada sobre sua saga favorita. Ambos os assuntos não duraram
três minutos, após tudo isso. Quem podia culpar? Ninguém, a não ser eu mesmo.
Te vejo
daqui a pouco. Dependendo de como as coisas forem hoje, ainda devo voltar aqui.
Mas, não espere por mim. Pode atender os outros pacientes. Quando for a hora, saberá.
Atenciosamente,
Victor Luiz.
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