Querido diário,
hoje foi o meu
primeiro dia fora da minha cama. Digo, por vontade própria. Foi também a
primeira vez que fui ao cinema como solteiro, em quase três anos. Eu fiquei
animado com a ideia de finalmente sair de casa e esquecer um pouco tudo o que
está acontecendo. Devia ter imaginado o que aconteceria.
Até a
metade do filme, tudo ocorreu bem. Me desliguei totalmente do mundo que eu
habitava e somente assisti a telona. O problema foi ouvir todos os beijos sendo
dados ao meu lado, por casais diversos. Foi duro ouvir aquilo e saber que não
tenho mais alguém comigo. Antigamente, eu ria disso, dizia que as pessoas
precisavam respeitar os outros que estavam no cinema e guardar suas afeições
para mais tarde. Porém, nunca tinha percebido o quanto isso faria falta para
mim. Essa demonstração de afeição. Ter essa afeição. Mal consegui prestar
atenção depois disso, sempre ouvia aqueles estalos típicos de beijos rápidos.
Sempre me lembrava de tudo. De como era ter alguém para agarrar no cinema e
roubar beijos. Fiquei triste, mas não demonstrei. Não queria estragar mais uma
noite.
Saindo da
sala, me deparei com um fantasma. Na minha frente, ali, parada, estava ela. Não
tive como me preparar. Meu coração parou por cerca de três segundos. Respirei e
pisquei. Vendo melhor, não era ela, só tinha o mesmo tipo de cachecol que ela
usava. A partir daí, comecei a vê-la em todos os lugares, sozinha, acompanhada,
muitas vezes com roupas parecidas. Chegou um momento que simplesmente parei de
andar e olhei para cima. Vozes ocupavam minha cabeça. Frases aleatórias,
memórias, todas com uma só voz. Pensei em ir pra rua e chorar, já que estava
chovendo. Realmente pensei. Mas acho que já estou seco por dentro. No máximo,
iria ficar como estava. Respirei e pisquei novamente. Olhei para frente e
segui. Não olhei para ninguém, só segui. Peguei o táxi mais próximo e vim para
casa. Me arrependo de ter ido, Tom. Eu pensei que hoje seria um dia para ficar
longe de tudo, mas só consegui ficar mais perto ainda. Senti medo de encontrá-la
ocasionalmente e ver o que não queria. Toda esquina era isso. Aquele frio na
barriga de ver o que a sua mente já sabia. Não aguentaria. Provavelmente
entraria em colapso e cairia ali mesmo, no chão.
Não sei
mais o que fazer. Essa tentativa me fez repensar tudo o que eu pretendia fazer.
De que adiantaria seguir em frente? Me diga. De que adiantaria acordar um dia
pensando que estava bem e sentir um desespero ao ver sua sombra na rua? Está
tudo muito confuso, Tom. Estou perdido. Mais do que já estava. E parece que ela
não percebe isso, ou que finge muito bem não perceber. Parece que a cada dia
ela se afasta mais de mim. Tenho a impressão dela achar que eu não a amo, ou
que não estou sofrendo por ela. Sei que fiz muita besteira com ela, mas o que
posso fazer? Não há mais nada a se fazer? Somente essa escuridão contínua que
me ronda? Não tenho palavras para medir o quão arrependido estou de ter a feito
sofrer durante todos esses anos. De não estar mais presente por ela. De não
dizer que a amava o suficiente. De aceitar um convite seu e depois recusar, em
cima da hora.
Atenciosamente,
Victor Luiz.
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