Querido diário,
é possível alguém
querer tanto uma coisa, a ponto de sonhar e acreditar veemente que é verdade?
Mesmo após acordar? Eu realmente achava que não. Que era pura bobagem e que era
preciso somente deixar de pensar no assunto. Provei-me errado.
Eu não
costumo lembrar muito dos sonhos que tenho, salve alguns que me marcaram de
alguma forma. Uns tenho periodicamente, outros deixam-me tão abalado
mentalmente que tudo o que consigo fazer é encarar o teto por alguns minutos.
“Isso foi real ou não?”. Francamente, já não sei mais distinguir sonho e
realidade. Acho que desisti após tantas repetições de situações que nem sequer
haviam acontecido. Volte e meia me pegava olhando para um ponto fixo, pensando:
“Eu já estive aqui?”, mesmo sem nunca ter cogitado estar naquele lugar, ou
sequer conhecido. As coisas pioravam quando as situações não eram assim tão
boas, vide meu próprio término de namoro. Isso me levava a crer em diversas
questões, como destino e “tudo está premeditado”. Será que está? E se estiver?
Posso mudá-lo? Quero mudá-lo?
Meu
último sonho me fez acordar assustado. E suado. Muito suado. Por alguns
momentos jurei que aquilo tinha acontecido no dia anterior. Infelizmente, não
aconteceu. Ela estava tão linda, Tom. Usava o vestido azul que compramos
juntos, após uma grande relutância por sua parte. Eu amava aquele vestido:
acentuava tudo o que tinha que acentuar sem corpo milimetricamente esculpido de
morena, sem passar nenhuma mensagem errada. Sem contar que combinava com suas
mechas no cabelo, de mesma cor. Era coisa de outro mundo, posso te garantir.
Pena só ter visto em uma ocasião. O sol realçava seus olhos cor de mel, que me
miravam fixamente. Ela parecia apreensiva, querendo contar alguma coisa, mas ainda
procurando as palavras certas. Em um certo momento, segurou minhas mãos e me
puxou para um abraço. Ficamos ali, parados, por cerca de três minutos, sem
falar absolutamente nada, somente ouvindo nossas respirações. Deitou sua cabeça
em meu ombro e colocou seus lábios ao lado, sussurrando: “Estou grávida”.
Lembro de ter um milhão de coisas passando pela minha cabeça, mesmo sonhando.
Logo, raciocinei o mais óbvio: a criança não era minha e ela quis me dar a
notícia pessoalmente. Fiquei com muita raiva, na verdade. No sonho e fora dele.
Sei disso pois, quando acordei, estava com o corpo e, principalmente minha
cabeça, extremamente quentes, apesar de fazer dezoito graus lá fora. A
realização de que ela tinha se relacionando com outra pessoa e ficado grávida me
fez querer sair daquele abraço e matar a primeira pessoa que eu visse na
frente. A raiva tinha me dominado completamente, mas fiz um esforço para
controlá-la. Afinal, eu tinha me comprometido a apoiá-la em qualquer situação.
“Ele já sabe?”, perguntei, ainda recuperando minha voz, tentando parecer o mais
calmo possível. “Não, você é o primeiro a saber”. Fiquei inquieto com aquela
indagação, por motivos óbvios. “Eu acho que o pai deveria ser o primeiro a
saber”. Ela tirou sua cabeça de meus ombros e voltou a me olhar fixamente. Pude
novamente ver aquele rosto tão perfeito a poucos centímetros de mim. Uma parte
de seus cabelos cobria a parte direita de seu rosto. Eu amava como ela ficava
desse jeito, mas coloquei-os de volta em seu lugar, atrás de sua orelha, um
hábito que adquiri ao longo do tempo com ela. Finalmente, ela inspirou e disse:
“Esse é ponto, Vic, você é o primeiro a saber.”. Eu tinha uma resposta pronta,
caso ela me dissesse alguma coisa genérica, mas acho que só abri a minha boca e
fiquei lá, parado. Eu não sabia se ficava triste ou feliz, Tom. Por um lado,
ela poderia querer que nós voltássemos e que eu criasse nosso filho junto com
ela, o que eu estaria mais do que disposto de fazer. Porém, ela também poderia
só querer me contar e ir continuar vivendo a sua vida normalmente (poderia
existir algo como cortesia nesse momento?). Escrevendo isso agora, não tenho
ideia de qual poderia ter sido. Acho que nunca saberei.
Eu
acordei logo em seguida, querendo voltar e continuar com meu sonho. Somei a
raiva de antes com a de não poder voltar para lá. Lendo agora o que escrevi,
peço desculpas por isso parecer com uma novela. Não foi minha intenção. Acho
que eu só queria compartilhar esse sonho com você. E, claro, manter minha
cabeça ocupada enquanto faço. Eu queria poder ter a certeza de que tudo vai
ficar bem ou que as coisas vão se encaixar em algum ponto. Que vamos estar
tomando um vinho em algum restaurante e lembrando da besteira que foi ficarmos
longe um do outro. Eu queria. Mas não posso. Não sei o que vai acontecer
amanhã, muito menos nessa semana. Não me entenda mal, sei exatamente o que eu
quero que aconteça, mas não sei o que se passa na cabeça dela. Não tenho a
mínima ideia. Acho que nunca tive. Mas acho que isso seria simples demais, não
é?
Os dias
passam devagar, demais para o meu gosto. Tudo o que eu quero que aconteça, não
acontece. Será que perdi meu direito de ser feliz, Tom? Joguei minha chance
pela janela? Acho que eu e ela sabemos qual a resposta. O que devo fazer,
então? Não consigo mais ficar assim, tendo conversas que são medidas pela pouca
intimidade, limitadas, enquanto almejo por somente algumas frases suas, que
acabariam com tudo isso. Quando finalmente temos algum assunto, geralmente
termina onde não queremos, voltando para a estaca zero. Eu aqui e ela lá. É
isso que a vida reservou para nós? Estou tentando. Fico sempre por perto, para
não haver engano sobre meus desejos, mesmo que isso seja contra a ética da
situação. Puxo assunto quando eu mesmo sei que não vai dar em nada, ou sei como
vai acabar. E não posso ter ódio da situação ou, até mesmo dela, mesmo que isso
significasse um impulso para eu sair desse lugar. Odiá-la parece realmente
tentador, mas não consigo amar e odiar alguém. Afinal, ela não fez nada de
errado, só largou o que achava que a impedia de ser feliz, ou de viver sem ser
magoada todos os dias. A vida é dela, e eu não posso impedir que ela viva,
mesmo que isso signifique não estar mais com ela. Não posso impedir sua
partida. Todos os meus sentimentos por ela estão na mesa. Todos os meus erros
estão na mesa. Não há mais nada que eu possa fazer, a não ser ficar por aqui.
Esperando. Esperando meu momento de ser feliz novamente. Com ela.
Ela faria
isso por mim. Enfrentaria todas as barreiras e continuaria ali, esperando por
mim. Passaria por cima da dor que é ver alguém que você ama feliz com outra
pessoa. Como já fez antes. E por muito mais tempo do que estou sentindo. Devo
isso a ela. Devo isso a nós. Devo isso a tudo de bom que ainda resta dela. Devo
isso a minha felicidade de ver seu sorriso.
Vou ficando por aqui, Tom. Tudo o que escrevo
é pra ela, mas não posso forcá-la a fazer nada, muito menos ler algo que possa
a deixar mal. Mesmo sabendo que ela não irá ler as coisas que escrevo, pelo
menos você pode. Foi um
prazer, como sempre.
Atenciosamente,
Victor Luiz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário