sábado, 17 de outubro de 2015

Kettering.

                A última vez em que te vi foi há um tempo. É difícil lembrar-me do tempo exato, levando em conta todo o esforço que fiz para apagar sua existência, então espero que entenda. Eu estava no ônibus, voltando para casa. O cansaço já batia a porta, então resolvi encarar a janela, na esperança de que deixar meus olhos parados compensasse eu estar em pé. Não prestava atenção em muita coisa, quiçá no movimento das pessoas. O clichê mais óbvio aconteceu, e eu logo te avistei na calçada, com as mesmas vestimentas de sempre. Um short curto, uma blusa branca genérica e seu tênis de cano alto. Seu cabelo parecia mais brilhoso, talvez mais azul, mas ainda era o mesmo. Não tive a chance de olhar sua face, mas suponho que não houve mudanças significativas (fora o novo piercing). Nada havia mudado. Você até andava da mesma forma, com a bunda arrebitada.
                Fazia sentido você estar ali, visto que era perto de sua casa, assim como era da minha. Porém, mesmo com toda a lógica envolvida, encolhi-me. Um espasmo involuntário, talvez um mecanismo de defesa, fez com que tivesse medo de você me achar. Medo de você, inexplicavelmente, parasse e olhasse diretamente para mim, em um ônibus em movimento. Nos três segundos daquele encontro, na minha mente, era algo plausível e até bem provável de acontecer. Porém, antes de qualquer coisa, eu já tinha perdido sua silhueta. Pensei em parar no ponto mais próximo e correr até você, perguntar como estava, se a faculdade ia bem, mas percebi o quão patético seria. E o quanto aquilo iria me dilacerar. Era tarde demais. Tudo o que pude fazer foi aceitar seu desaparecimento em meio à rua, na sua pressa de sempre. O ônibus seguiu caminho, e eu fui junto.