A última vez em que
te vi foi há um tempo. É difícil lembrar-me do tempo exato, levando em conta
todo o esforço que fiz para apagar sua existência, então espero que entenda. Eu
estava no ônibus, voltando para casa. O cansaço já batia a porta, então resolvi
encarar a janela, na esperança de que deixar meus olhos parados compensasse eu
estar em pé. Não prestava atenção em muita coisa, quiçá no movimento das
pessoas. O clichê mais óbvio aconteceu, e eu logo te avistei na calçada, com as
mesmas vestimentas de sempre. Um short curto, uma blusa branca genérica e seu
tênis de cano alto. Seu cabelo parecia mais brilhoso, talvez mais azul, mas
ainda era o mesmo. Não tive a chance de olhar sua face, mas suponho que não
houve mudanças significativas (fora o novo piercing).
Nada havia mudado. Você até andava da mesma forma, com a bunda arrebitada.
Fazia sentido você estar ali,
visto que era perto de sua casa, assim como era da minha. Porém, mesmo com toda
a lógica envolvida, encolhi-me. Um espasmo involuntário, talvez um mecanismo de
defesa, fez com que tivesse medo de você me achar. Medo de você, inexplicavelmente,
parasse e olhasse diretamente para mim, em um ônibus em movimento. Nos três
segundos daquele encontro, na minha mente, era algo plausível e até bem provável de acontecer.
Porém, antes de qualquer coisa, eu já tinha perdido sua silhueta. Pensei em
parar no ponto mais próximo e correr até você, perguntar como estava, se a
faculdade ia bem, mas percebi o quão patético seria. E o quanto aquilo iria me
dilacerar. Era tarde demais. Tudo o que pude fazer foi aceitar seu
desaparecimento em meio à rua, na sua pressa de sempre. O ônibus seguiu
caminho, e eu fui junto.